Entrevista com Manuel Leite de Oliveira (Manuel Goiano)

Entrevista com Manuel Leite de Oliveira (Manuel Goiano), de Sebastião Soares e Antonio Pereira, da Associação dos Trabalhadores do Assentamento Rio Gelado

12/02/1996

Local: Novo Repartimento

Entrevistadora: Maria das Graças da Silva

Manuel: Meu nome próprio é Manuel Leite de Oliveira, mas, por apelido, Manuel Goiano. Nós recebemos a solicitação de desapropriação pelo projeto da barragem do Tucuruí em 1976. Recebemos visitas, fizeram levantamentos de nossas benfeitorias nas propriedades. Aí ficamos e fizemos uma retenção de atividades fixa, como se diz, de benfeitoria fixa. Culturas ou qualquer outro tipo de benfeitoria fixa. Fomos lá aguardar os acontecimentos das indenizações, das negociações das indenizações. Isso decorreu num período de dois e três anos pra isso acontecer. Foi de 1976, quatro anos, até 1981; ficamos a esperar, cinco anos. Fizeram esperar pra ter acesso a nossos direitos, pra ter acesso à relocação para outros lugares, certo? Então nós fomos/eu fui realocado pra gleba do Parakanã em 1984. Isso após um mês e um pouco que eu tinha sido realocado pra gleba, aconteceu o fechamento das comportas da barragem e o enchimento do lago. Quando nos apareceu o primeiro índice de praga de mosquito em novembro ou dezembro de 84. Foi fechada em setembro e logo apareceu praga. A partir de 1986, do ano seguinte, ela continuou de novo e de lá ela permaneceu até a década de 1994 e 95. Até 1995 ela se manteve acelerada. Nesse decorrer, nós implantamos uma ação de reivindicação quanto à solução da praga, de combate à praga, né? 87 e 88 o governo junto com a SUCAM fez uma operação de combate, inseticida, que não veio a prevalecer. Em vez de combater a praga, combateu o sistema de saúde da população, tanto humano quanto animais. Veio a prejudicar a situação de saúde humana e de animais. Desde que isso aconteceu, nós resolvemos impedir que operações de inseticida deixasse de existir lá na região, certo? E ela não aconteceu mais. Quando a operação inseticida não resolveu o problema, nós fomos estudar “o que vamos fazer pra resolver o problema?”. Solicitamos o Incra, Ministério de Minas e Energia e outros pra saber o que fazer. Pra solicitar o problema com uma realocação, uma mudança da população da área atingida pra outra área onde tivesse condições pra morar, trabalhar e sobreviver com dignidade. Isso é o projeto de assentamento do Rio Gelado, certo? Isso, pro nosso conhecimento, isso que está registrado pelo governo federal, a criação e o registro do projeto de assentamento do Rio Gelado e que nós estamos lutando pela realidade dele até hoje. Eu sou um dos participantes, nunca abri mão e pretendo resistir até a última hora. Tenho a minha propriedade na Parakanã e considerado com uma lá no Rio Gelado também, certo? Por isso nós temos trabalhando. E lutando pra ter êxito nessa luta.

Pergunta: Nesse período todo que você relatou, como é que vocês conseguiram sobreviver? Vocês ficaram lá plantando?

Manuel: Parte da população se viu obrigada a abandonar – você sabe que tem mais fracos e mais resistentes. Os mais fracos desistiram e os mais resistentes vão insistindo. Enfrentando toda essa dificuldade, todo esse problema. Teve algumas pessoas que continuaram fazendo alguma coisa para, pelo menos, sobreviver pessoalmente. Inclusive, eu fui obrigado a abandonar a minha propriedade. Nesse período, eu me obriguei a abandonar; eu achei que não era lícito porque eu não vivi aquilo. Não fui eu o construtor da barragem, não ganhei nenhum centavo por aquilo, não dei uma hora de trabalho na construção da barragem e até hoje eu não me sinto beneficiado com nenhum centavo pela barragem do Tucuruí. Não era pra eu pagar nenhum centavo de energia porque sou prejudicado pela barragem, mas eu pago, pago corretamente. Tudo o quanto vier eu vou pagando e tô pronto pra pagar. Mas só que eu não devo. Eu deveria ser beneficiado pela barragem do Tucuruí, certo? E não sou. Até hoje não me considero. Poderia ser, mas até hoje não sou beneficiado. Sou expropriado pelo projeto, um grande projeto que diz que veio desenvolver a região do país e pra nós só trouxe calamidade. Então, do meu ponto de vista, em minha consideração não sou.

Pergunta: Tu pagas energia onde?

Manuel: Nós pagamos; tenho um domicílio aqui dentro de Repartimento e uso apenas dois picos de luz. Mas eu pago a taxa mínima e atual. Todo mês tá lá, pago. Não tenho nenhum móvel elétrico porque não me interessa; sou trabalhador rural, né? Tô aqui porque vim incumbido de lá pra cá, a situação me obrigou. Não me interessa ter nada, só dois bicos de luz só pra iluminar.

Pergunta: Que tipo de cultivo vocês tinham lá?

Manuel: Nossa cultura era mais um tipo de cultura temporária, né? Era o arroz, o milho, o feijão, a banana. A banana faz parte do cultivo permanente, né? Mas é o mínimo.

Pergunta: Você fazia só pra alimentação de vocês?

Manuel: A gente não consegue comer tudo aquilo que produz. O pouco que você plantar e produzir nunca é o que você consome. Então uma parte vai pro mercado, né?

Pergunta: Tinha possibilidade de escoar essa produção?

Manuel: Sempre tinha porque a gente brigou muito por isso. Quando foi pra ter a abertura das estradas vicinais, a própria empresa Eletronorte deixava em péssimas condições, mas a gente brigava e brigava até que ela ia lá e melhorava um pouco. Quando precariava de novo a gente voltava lá e pedia melhoramento pro acesso à estrada. Então por aí, por um momento não teve esse acesso.

Pergunta: O que você faz agora no Rio Gelado?

Manuel: Eu tô lutando pra me fixar lá.

Pergunta: Não há nenhuma produção la?

Manuel: Já plantei, já trabalhei, já produzi. Arroz, milho, feijão, banana, tudo. Só que disso que foi produzido lá até hoje, aqui dentro de Repartimento que estamos há 156 km, eu não usei nenhum grão de arroz. Foi desperdiçado por lá mesmo. Poderia ter alguém retirado alguma coisa, mas eu mesmo não retirei. Mas eu estou considerando uma propriedade assentada pelo Incra, apesar de que hoje não existe nenhum documento em minha mão pra comprovar, né. Mas deveria ter. Mas o beneficiamento, não tive acesso até agora.

Pergunta: Cooperativa, vocês têm lá?

Manuel: Não tem. a única entidade que representa a sociedade a nível de município é o Sindicato e uma associação que foi criada por nós. Associação de produtores e projeto de reassentamento de Rio Gelado. Representei com o diretor, né? Sem apossar. Eles foram eleitos, a diretoria.

Pergunta: O beneficiamento do arroz que vocês comercializam é feita onde?

Manuel: Quando tem condições de trazer sim. Quando não…

Pergunta: Vocês acham que se houvesse uma preocupação do Estado em trazer energia, o que mudaria a realidade de vocês, o que poderiam fazer?

Manuel: No meu ponto de vista é o seguinte, poderiam melhorar, alguma pracinha, porque é um direito nosso, acredito que sim. Tanto aqui na Parakanã que foi o setor que fomos deslocados pelo processo de desapropriação como o problema Parakanã que hoje nos leva para Rio Gelado também pelo mesmo processo de desapropriação que ocorreu na formação do lago, da barragem. Eu acho que tanto Parakanã quanto em Roio Gelado, uma eletrificação rural poderia beneficiar a nossa população, a nossa comunidade. Eu acho que poderíamos nos sentir beneficiados desde que não houvesse grandes custos. Que a energia fosse baratinha, acessível.

Pergunta: Quando foi que surgiu esse projeto de assentamento em Rio Gelado?

Manuel: 1991 ou 92.

Pergunta: Vamos gravar agora uma entrevista agora com o seu Sebastião Soares. Ele é o primeiro secretário da associação dos trabalhadores do assentamento do Rio Gelado. Ele vai nos prestar algumas informações sobre seu trabalho.

Sebastião: Nós tivemos eleição dia 20 de janeiro e nós fomos eleitos, né. Mas até o momento não estamos agindo porque tivemos problemas de documentos e agora eu acho que está mais ou menos certa a documentação. Espero que amanhã a gente vá pra Tucuruí resolver essa questão. Só depois poderemos dar o andamento, ir ao banco, ir ao Incra pra resolver as questões do assentamento que são prioridades.

Pergunta: Ouvi falar que tem uma área em Rio Gelado que está sendo solicitada por terceiros. Alegando propriedade.

Sebastião: Justamente. Nós esperamos um trabalho do Incra, porque até agora eu vejo a dificuldade dos companheiros. Não se pode nem fazer uma mudança pra lá. Se quiserem ir com a gente, eu já disse que a estrada é péssima. No caso de um assentamento, o Incra deveria em primeiro lugar não demarcar só a terra. Tem que fazer estradas pra escoar produção, levar o pessoal. Não tem como fazer mudança daqui pra lá, quebra tudo na estrada. Depois que a gente legalizar essa documentação a gente pretende resolver essa questão do Rio Gelado. Buscar recursos para os trabalhadores. Não adianta você ter terra, o governo te dar um pedaço de terra e depois um “se vira aí fulano”. Como fica a questão da saúde, da alimentação? Isso tudo a gente tem que pensar, né. Eu tenho um lote que eu comprei em 93. Eu comprei até sem ver, né. Comprei lá no Espirito Santo mesmo, de rede de amigos, eu confiei. Se eu soubesse da praga que tinha ali, eu não tinha nem vindo. Hoje eu estou com o pessoal do Rio Gelado, né. A gente vai trabalhar, se unir. Prioridade principal de nós companheiros que tá faltando muito, união. A gente vai tentar chegar a um acordo. Se o Incra não tomar as devidas providências, a gente vai ter que procurar o Incra e ver se eles resolvem o problema, né. Se eles não resolverem a gente vai ser obrigado a ir pra lá, pro pátio deles. A situação lá dentro do Rio Gelado, do jeito que está agora, por exemplo uns dias atrás, a malária tava demais. Pra gente conseguir um microscópio foi necessário que a igreja luterana e emprestasse dinheiro pra gente comprar. Não doaram. Tem muita gente que critica a igreja luterana por ter emprestado dinheiro e não doado. Eu vou defender a minha parte porque a gente critica quem merece e quem não merece a gente tem que falar a verdade também. Nós temos uma pessoa lá dentro treinada pra fazer as lâminas. Parece que a Prefeitura arrumou um microscópio que não servia. Aí voltou o microscópio e nunca mais apareceu um microscópio lá dentro. Aí o pastor foi com mais alguns companheiros, juntou a liderança e a diretoria da igreja luterana e emprestou o dinheiro. Compraram o microscópio de São Luiz. Aí o próprio vendedor sentiu a necessidade, viu a carência e o próprio vendedor doou 200 reais. Era mil reais o microscópio. Nós ficamos devendo 800 reais com prazo de 3 meses pra gente pagar. E aí, vai ser divido entre os companheiros esses 800 reais. Todo mundo vai pagar igual pra não ter ninguém que tem mais direitos. Houve gente lá sim que quis pagar, ajudar mais a pagar, e aí nós achamos errado. A gente agora está tentando. Esse ano é ano político e a gente espera que o homem invista um pouquinho pra fazer a questão do posto de saúde, né. Que já está começando a funcionar e cobrar os implementos necessários pra funcionar. Porque o posto, só a casa não funciona, né. É preciso profissionais e aparelhagem, né. E tem muitas coisas. Prioridade de tudo a gente precisa, sabe? A estrada, começaram a fazer, mas ainda tem uma média de 40 quilômetros. Não está boa, mas já está melhor. Eu espero que as autoridades tomem iniciativa. Da nossa parte, da associação, a gente vai organizar nosso trabalho e vamos chegar juntos. Onde for preciso a gente vai.

Pergunta: De quem foi a iniciativa de fazer esse assentamento em Rio Gelado? Foi uma atitude espontânea de vocês por causa da praga de mosquitos ou foi um convite do Incra? Como aconteceu isso?

Sebastião: Eu posso pedir a palavra a outro companheiro. Eu sou novato, eu sei mais ou menos por onde começou, mas eles explicam melhor. Seu Manuel Goiano explica melhor isso aí.

Manuel: Nesse momento nós tomamos a iniciativa.  Quando eu acabei de falar que o Governo tentou combater a praga e não conseguiu… nós, colonos, habitantes da gleba Parakanã e outras áreas adjacentes, como não só hoje a prioridade é Parakanã, mas também a gleba Andorinha, Pucuruí. São todas glebas atingidas em volta do lago. Nós que solicitamos junto ao Incra a criação de projeto de assentamento do Rio Gelado. Se fala só em Parakanã, mas não é só Parakanã não. A prioridade é Parakanã. Mas são quatro glebas. Nós solicitamos junto ao Incra a remoção dessa população pra essa área. Nós escolhemos a área.

Sebastião: Fala um pouco da greve.

Manuel: Essa greve foi iniciada ao decorrer de 1991. Dia 24 de julho de 91 nós começamos. Parte da luta, a greve. De lá viemos lutando até aqui.

Pergunta: Nesse movimento o que vocês fizeram especificamente?

Manuel: Fizemos acampamento, manifestações, ato público em Tucuruí, no Incra de Tucuruí. O canteiro de obra da Eletronorte foi ocupado pelos desapropriados, o escritório central foi nosso segundo passo. De lá nós fomos retirados do canteiro de obra por uma liminar da juíza de Tucuruí que achava que não era o lugar adequado de nós cobrarmos aquilo. Como nosso poder é união e não justiça, aí a nossa união não deu pra combater a força judiciária, nós retiramos. Eram umas 500 pessoas que estavam acampadas dentro do canteiro de obras da Eletronorte. Passamos pra fora do canteiro de obras, mas ficamos próximo à entrada principal da Vila Permanente da Eletronorte. Lá, nós permanecemos quatro anos. Em referência ao problema da expropriação, foi criado o projeto de assentamento no Rio Gelado. Desde que não tivemos capacidade de sobreviver com dignidade lá na gleba do Parakanã, nas áreas atingidas pela praga de mosquitos, nós decidimos a solicitar do governo junto ao Incra uma área pra remoção dessa população pra lá. É isso aí.

Pergunta: Como foi descoberta a área do Rio Gelado? O Incra mandou que alguém fosse? Não foi mais ou menos isso? Pro povo marcar seu lote, entrar e trabalhar. Nesse tempo, apareceu uma empresa não tinha serviço ali dentro. Aí apareceu a praga, sem ser a praga dos mosquitos, apareceu a praga desta madeireira. Aí chegaram armados, segundo as informações que se tem, ameaçando, obrigando as pessoas a dar o nome e muita gente não vai pra lá cismada. Todo mundo tem medo né.

Manuel: Foi solicitada ao Incra uma comissão de pesquisa. Essa comissão era pra acompanhar com técnicos, pesquisar a área e descriminar a área como área da União que não tinha nenhuma preferência definitiva judiciária documentada. Resolveram em todas as comarcas e não acharam nenhuma área que havia pretendentes pra essa área. Por isso o Incra criou o projeto. Nós demos os primeiros passos e os pretendentes tentaram nos expulsar de lá. E como não tinha documento pra provar e nós não estávamos ocupando nenhuma área definitiva… Só que depois, eles passaram a apresentar documentos que eram pretendidos para a área. Chegou o momento que o próprio Incra moveu uma ação contra a empresa. Até hoje não teve uma realidade. Quer dizer, o Incra ganhou a ação na justiça e a área está livre para o acesso, o assentamento dos trabalhadores.

Pergunta: A madeireira permanece na área?

Manuel: Permanece.

Pergunta: Agora vamos perguntar ao seu Antonio Pereira. Ele é o ex presidente da Associação de trabalhadores rurais do projeto do Rio Gelado. Seu Antonio, quem apoiou vocês nesse processo de organização

Antonio: O principal apoio foi do Sindicato.