Entrevista com Jorge da Silva – conhecido como Jorjão, membro da comissão de representante dos atingidos nas reuniões da Comissão Mundial de Barragens sobre o caso Tucuruí.
Entrevistador: Henri Acselrad
Local: Belém, 1999
Pergunta – Você veio de onde?
Jorjão – Eu vim da zona rural. Trabalhava no centro. Eu vim para Tucuruí em 1984. Eu morava no Tomé-Açú. Trabalhava com pimenta do reino. Depois vim pra Cametá, mas não me acostumei, e de lá em 1984 viajei pra Tucuruí. Até hoje, estou em Tucuruí. Nunca me empreguei. Estou com 10 anos nas ilhas. Antes eu morava na cidade e trabalhava braçal, para os outros, nas fazendas, mas nunca me empreguei. Quando morava lá no Tomé-Açú eu tinha terra, eu trabalhava com agricultura, mas com esse movimento sindical… desde 1966 depois do golpe militar eu comecei no sindicalismo, e tenho uma boa experiência, quando a gente falar do sindicato, vamos ter mais assunto até da gente entrar no movimento, do que como agora estamos numa discussão falando com gente que não tem aquela ecologia, e mesmo aquela técnica de falar, a gente fica meio amarrado, não é? Então me preocupo muito dentro das ilhas. Por esse motivo; porque não tem gente que chegue lá e tenha experiencia de trabalho: “você deve plantar, você deve fazer isso”. Não tem gente que fale pra gente, e que dê uma informação melhor do que a gente que vive.
Pergunta: Você agora mora nas ilhas no interior do lago de Tucuruí?
Jorjão – Falando das ilhas, o morador que mora nas ilhas tem mais convivência de vida, melhor do que quem vive no outro setor, no centro, em outro local. Nas ilhas, ele subiu o rancho, o peixe, tem demais, não compra, só que por outro lado, quem vive nas ilhas, tem a dificuldade de transporte. Se ele não tem o seu barco para viajar está sujeito. Mas a pessoas que mora nas ilhas e tem seu barco, tem seu pano de pesca, que pesca, ele tem uma vida melhor do quem vive na zona do centro, na zona rural. Eu tenho essa experiencia, a educação não presta e a assistência médica é muito ruim. Agora o setor das pessoas que moram na zona rural tem um acesso ao transporte mais adequado, só que o custo de vida é mais difícil do que pra quem mora nas ilhas, a manutenção da comida. Nas ilhas, é fácil, você joga o caniço, pega um peixe e logo você faz o almoço e come. E quem vive na zona rural, se você não tirar do terreiro uma galinha, um bicho pra comer, tudo tem que ser comprado. Por um lado, facilita o transporte, mas por outro lado. Canso de dizer para os companheiros quando viajo na zona rural, no movimento sindical, eu tenho dito que eu não troco a minha ilha por um terreno na zona rural.
Pergunta – Isso é que eu estou perguntando. O conhecimento sobre como é que funciona o espaço na ilha, você não tinha essa experiência, não é?
Jorjão – Era muito diferente. Nas ilhas, eu sempre trabalho só com agricultura, com lavoura, não sou pescador. Pesco pra comer. A bóia é depois que eu sair do serviço é que eu vou jogar o caniço lá e puxo.
Pergunta – O que você está plantando, está dando?
Jorjão – Não, não está dando, muito pouco. Agora, é sou eu com a mulher, as filhas, os filhos todos casaram; somos só nós dois, a velha sempre vive doente, eu, que estou vivo, tenho que arrumar serviço. Mas temos plantio de murici, planto a minha mandioca, planto um pouco de arroz. Agora dificultou um bocado por causa do movimento de super reserva extrativista, não teve condição de botar um roçado, porque era uma reunião em cima da outra. Temos uma associação, mas a nossa associação está numa situação muito ruim, devidamente, porque ela não tem acesso, não tem crédito, o trabalho lá é muito pouco. Sabe, não podemos fazer roçado grande, nós não podemos fazer, vamos dizer assim um investimento, que a associação fizesse um investimento que pudesse ajudar.
Pergunta – Vocês estão vivendo essa situação. Mas essa ideia de conservar os recursos que você falou tão bem, você disse que falou mal, mas falou muito bem. Como apareceu essa ideia?
Jorjão – Nós já temos participado de vários movimentos. Conservar os recursos naturais é porque é de lá de dentro que vamos tirar, vamos dizer assim, para a nossa família. E outro é para preservar o meio ambiente. Puxa, não é lógico a gente desmatar, não é lógico a gente estar pegando filho de peixe, como tenho dito assim, porque depois, vai faltar. Como falei muito a respeito do pirarucu, tinha demais pirarucu nas ilhas, mas pegaram na malha 14.
Pergunta – Mas aí é pesca industrial.
Jorjão – É, a gente está conscientizando as associações: “esse peixe você não deve pegar porque se você for pego pelo Ibama e por outras autoridades, nós não vamos defender você, porque você vai estar agredindo o meio ambiente”. Então, por isso a gente estava querendo que tivesse a reserva extrativista porque ela vem trazendo um título pra gente de preservar o meio ambiente. Não agredir o meio ambiente, traz um respeito muito grande que a gente tem com a sociedade e até mesmo com a lei, sabe? Mas às vezes isso não acontece, quando a gente sai, outro lá vai caçar, mata a caça, gente que vai de fora vai agredir o meio ambiente.
Pergunta – Na sua ilha nunca teve nenhuma invasão?
Jorjão – Já. Tem muitas. Principalmente agora, quando viajei – estava pro Acre – um menino me falou que vieram e levaram uns 200 e poucos jabutis na minha ilha. Bicho de casco, lá tem muito, levaram uma cachorrinha e levaram, onde eu moro é muito distante de Tucuruí, cinco horas de barco de motor 1-10. Pra lá só é um muragão.
Pergunta – Muragão que dizer murmúrio da água…
Jorjão – Não sei se você conhece a Funai, acima da Funai entre o Pucuruízinho e o Pucuruí Grande, o Pucuruí Grande sobe assim e o Pucuruízinho assim, e eu fico aqui nesse canto.
Pergunta – E sua ilha é perto da margem do reservatório?
Jorjão – É. Então vivemos lá dentro dessas ilhas. Eles entram e roubam o jabuti, roubam a caça. Cansei de ir lá, debaixo de uma Sapucaí, entrava de seis, sete e quatro, a necessidade brilhava, e eu matava um, pronto, dava pra comer três a quatro dias, porque é só eu e a mulher, não tinha precisão de estar matando pra vender. Os outros, agora, vão, matam, mas é pra tráfico, tráfico de caça. E isso aí é a nossa briga, é a falta de respeito, respeito que não têm diante do nosso movimento. E é por isso que a gente vem muito cobrando, porque nós só não temos a reserva extrativista por causa do movimento da SECTAM, que ela entrou no meio. É um órgão do governo, ele veio de cima pra baixo, e eles não discutiram com a gente. Quem sabe se até eles com essa área de proteção ambiental, não seria bom, pode ser bom, mas é uma coisa, no que tenho de conhecimento de área de proteção tem um que governa lá dentro.
Pergunta – Podiam dar uma concessão…
Jorjão – Isso, não sei, mas eles deveriam também é sentar com a gente, conversar, discutir, e ter o trabalho deles… “olhe é isso, é isso, isso”. Então, sem isso, dificultou demais.
Pergunta – Mas não tem também umas ilhas que, no início, eram ocupadas por grandes fazendeiros, que andavam pressionando os moradores?
Jorjão – Tinha. Só que eles aí do Jair Seixas, eles ficam pra cá no Caripé. Só que essa área daí do Caripé, está tudo habitada de gente. Eles entraram diretamente, o povo entrou nas ilhas. Tem ilhas lá que estão com 10, 12 moradores, só numa ilha, não dá nem dois três alqueires de terra pro outro lado. E lá no Tocatins não, lá ainda tem ilha desocupada, tem ilha de cinco, três, dois alqueires que não tem ninguém.
Pergunta – E essa história da oscilação do reservatório não cria problema, uma área alagada de lama, quando desce a água do rio? Isso não acontece todo ano?
Jorjão – Não, porque ele seca rápido. Acontece todo ano. E esse ano a água secou demais, sem chuva, secou muito, secou, secou. A gente passava, quando ia de Tucuruí pra lá, tinha que entrar lá muito em cima, na boca do Tucuruí, eram quase seis horas de viagem que aumentava muito. Outra coisa que a gente está com muito medo, é esse problema dessa segunda etapa. Porque olha, nós perdemos, no mês de maio, nós perdemos um bocado mandioca, eu perdi umas duas lenhas de mandioca, os outros vizinhos perderam, em quatro dias a água subiu, cresceu, não tivemos aviso, não tivemos nada. E a gente ficou assim, será que essa água vai ou como é? Mas minha casa fica em cima, minha casa. Mas teve casa lá nas ilhas mais baixas que a minha que entrou, a casa onde temos um barraquinho de palha, um barraquinho menor do que esse onde funcionava a escola, ela foi tudo no fundo, naqueles dias não teve aula. Não foi na minha ilha, foi em outra ilha, lá em cima onde fica o centro da associação
Pergunta – E quem dá aula na escola?
Jorjão – É uma professora de primeiro, que o município manda, só que tem vez que ela passa dois meses, três meses sem receber. Nessa escola não tem merenda, sabe, não tem nada disso. A gente vai lá no Repartimento, fala com a diretora, nada, não resolve. “Ah, não dá, não tem mais merenda, vou até mandar fechar essa escola porque não estou vendo progresso nenhum”. Mas como, professora? Não tem um colégio aqui! Estou lhe dizendo que na área do município do Repartimento só tem dois colégios, feito de alvenaria, e bem pequenos, duas salas de aula. O colégio da ilha é de pau, que a gente tira do mato. Não foi a Prefeitura que mandou fazer; foi nós mesmos que fizemos, que cobrimos com taboa de inajá. A gente tem ido lá no repartimento reivindicar e nada disso sai. E quando a gente chega lá, não tem a mínima condição de querer receber a gente, outro diz que a gente só quer ser, principalmente a diretora é muito ignorante, e são essas coisas que a gente luta muito lá dentro das ilhas. Nós queríamos ter companheiros lá que realmente ficassem ao lado da gente, mostrando, conversando com as pessoas, incentivando “olha, vocês têm que ´caçar` os direitos de vocês e ver se as coisas mudam”.
Pergunta – Mas isso é o que você está fazendo, você não está sozinho!
Jorjão – Não, nós temos os companheiros, viajamos muito, mas precisamos de uma ajuda, quando chega uma ajuda, uma gente de fora para dar um curso, uma informação, ela se torna melhor, cresce.
(intervalo na fita; Jorjão busca analogias com a Bíblia)
Jorjão – O trabalho dele, o senhor – a igreja dele ela se chamava de sinagoga, a palavra anterior. Mas lá tinha gente que estava tirando eles de lá dentro e sem eles perceberem. Aí Deus falou isso pra ele. Olha, véio, teu povo está sendo destruído, destruído o conhecimento, está se deixando levar, pessoas que não tem nada a ver, só servindo de mão de obra. Mas ele não disse olha isto, isto e isto. Ele examinou, queria, colocou, onde é que Deus falou isso pra mim? Eu não vejo! A minha casa é cheia, se a minha casa é cheia, o útero vem, ora. Que mais? Até que ele descobriu que os caras estavam se deixando levar. Hoje, acontece a mesma coisa, vários políticos chegam no nosso meio, com uma cara muito boa, tiram a gente de dentro do movimento, tirando as pessoas do nosso movimento, pra colocar lá fora, pra ficar do lado deles e depois só servir de mão de obra. Eu sempre digo isso, e eu sempre fiz isso dentro da sociedade, nós temos que olhar as comunidades eclesiásticas de base, elas têm que ter sua visão, sabe, a sua visão pra conhecer e ter seu espírito de verdade. Pra conhecer quem presta e quem não presta, se o senhor fulano não presta não se encoste na ilharga dele, porque não dá, porque senão você vai se complicar depois. É essa a visão que a gente tem que ter. Hoje quantas pessoas chegam dentro das associações e esbandalham completamente as associações, temos umas três associações na zona rural completamente esbandalhadas pelos políticos, entendeu?
Pergunta – Querem utilizar a organização.
Jorjão – Temos uma associação no Angeli, o Angeli 1 e o Angeli 2, temos duas associações esborrachadas, devidamente os políticos entrar para querer articular elas, manipular.
Pergunta – E é uma região de assentamento?
Jorjão – É, assentamento mesmo pelo Incra. Todas as associações lá são ligadas aos sindicatos, a maioria, e a um fórum agrário de, na base de 50 a 60 associações.
Pergunta – E tem muito grileiro aí na região? Pra tirar a terra do trabalhador?
Jorjão – Isso acabou. Porque a terra ficou muito desvalorizada. Hoje já estamos encontrando fazendeiro querendo vender as terras. Querendo que agente entre na terra. Por causa do gado, o gado ficou no mesmo preço, pela queda do real, hoje diminuiu muito o gado, o preço. Tem acontecido muito aí. Querem vender a fazenda para fazer reforma agrária. Tem várias fazendas que eles querem que a gente entre porque é um dinheiro que eles pegam e jogam para outro lado. Isso está acontecendo muito. Nós temos assentamentos novos que a gente está fazendo através do Incra e quem tem o dinheiro, quem esteve lá em Brasília diz que é só o Ministério da Reforma Agrária que dá dinheiro. Eles têm um bocado de dinheiro.
Pergunta – Mas a barragem não valorizou, com algumas obras ali, a construção de estradas, o preço da terra? Na beira da estrada, quando asfaltou a BR 150, não subiu o preço da terra?
Jorjão – Nada. Não, o que estava na beira da terra de nós aí está seguro, a gente não abre mão. O que estou dizendo são estas fazendas já de 70 a 80km, lá pra trás, passou o mutirão, os fazendeiros acabaram com o gado, e acharam que era bom negócio entregar para fazer reforma agrária. Vieram até conversar até com a gente, “vocês não querem mandar o pessoal entrar na área?” deles. Isso tem acontecido. A terra era boa pra trabalhar.
Pergunta – Que coisa!
Jorjão – Temos dois assentamentos, um dos sindicatos lá, realmente mandamos o Incra ir para fazer a vistoria e estamos com quarenta e poucas famílias ali acampadas, entre o Angeli 1 e Angeli 2.
Pergunta – Isso é do lado de Jacundá, ou de…
Jorjão – Não, é do lado de Tucuruí mesmo. fica a uns 60 km de Tucuruí. É uma fazenda grande, terra até boa, uma fazenda improdutiva. E o cara nos autorizou, o nome deles é Grasileia, entramos sem conflito. A gente solicitou com o Incra, mas só que ele não fez a vistoria. Mas a terra é boa.