Entrevista com José Lima, prefeito de N. Repartimento

Entrevista com o Prefeito José Lima, prefeito de Novo Repartimento, gestão 1993/1996

Data: 23/02/1996

Local: Nova Repartimento

Entrevistadora: Maria as Graças da Silva

Pergunta: Nós estamos aqui com o prefeito de Novo Repartimento, seu José Lima que vai prestar algumas informações sobre a gleba Parakanã, a relação com a Eletronorte e o projeto do Rio Gelado. Com a emancipação de Novo Repartimento, que acordo ou convenio foi feito entre o governo municipal e a Eletronorte?

José Lima: A Eletronorte sempre teve o compromisso de resgatar as pendências que foram negociadas com a comunidade, sindicato e Igreja. Essas pendencias e compromissos da Eletronorte aos poucos ela vem liquidando. Falta muito pouco; alguns equipamentos e obras a serem concluídas. Mas, segundo os diretores da Eletronorte, o compromisso aí termina com o município de Novo Repartimento. 

Pergunta: Qual a sua posição em relação aos problemas vivenciados com as cobranças à Eletronorte.

José Lima: Eu entendo que a Eletronorte ainda tem muita dívida social com a comunidade expropriada. Mas a posição deles é que desde que foi criada a comissão e essa comissão assumiu o compromisso de levantar os problemas sociais e a partir daí seriam solucionados os problemas. Mas o sindicato não aceitou a Eletronorte participar da comissão. Foi uma comissão criada por cinco ministérios onde foram levantados os problemas sociais; e essa comissão está sendo responsável pelo acompanhamento das pendências e sempre dando o parecer para a solução dos problemas. Em várias audiências com essa comissão, foram criadas três comissão. Essa terceira é a última que deu solução a essas pendências que a Eletronorte devia ao município. Não só Novo Repartimento, mas todos os municípios atingidos pela represa. E segundo o que eles falam, a comissão decide por tudo. Até a reivindicação dos desapropriados que está reivindicando depende do parecer da comissão. Caso a comissão seja favorável, a Eletronorte é parceira pra ajudar a entender o problema. Mas a Eletronorte não entende mais que eles são devedores. A comissão é que é responsável pra ajudar a solução desses problemas.

Pergunta: Numa entrevista com um dos diretores da Eletronorte, eles alegam que a partir da emancipação de Repartimento termina o compromisso da Eletronorte, que passaram uma série de equipamentos com o objetivo de dar atendimento a essas glebas que foram assentadas e expropriadas por ela. 

José Lima: Realmente segundo a comissão ministerial, os estudos que foram feitos, esses equipamentos seriam pra solucionar os problemas de escoamento das produções e dar acesso às vicinais. No meu ponto de vista, o que eu entendo é que a pra solução desse problema precisavam de cinco patrulhas, quando o município ganhou só uma patrulha. É uma dívida social muito grande, é uma área de município muito grande e a extensão dos desapropriados é muito grande. Além de ter desapropriados em todas as glebas ao redor, não remanejados pela Eletronorte. Remanejados pra gleba Parakanã, era pra ser pro Rio Gelado. No Rio Gelado não deu certo; no momento, o Incra não concluiu nada, não viabilizou condições pro pessoal ficar no assentamento e o pessoal quer permanecer na gleba do Parakanã. Já foi feito o levantamento pelo Incra e prefeitura e 90% disseram que querem permanecer na gleba do Parakanã. Então, pra resolver o problema desse povo e dar condições pra viver na Parakanã e no Rio Gelado, eu entendo que é preciso investimento não só pelo Incra, mas pela Eletronorte também, que deve ser co-responsável pela conclusão. Inclusive pela eletrificação rural; eu entendo que seria uma forma de desenvolver e dar condições pra sobreviver nessa região porque a praga de mosquitos lá vai diminuir, mas nunca vai acabar. Se vai acabar, é num tempo muito demorado. 

Pergunta: Passamos uma semana na gleba Parakanã e identificamos que os trabalhadoras que estão cultivando a terra e contribuindo para o mercado, reclamam que as condições são precárias em relação a saúde, educação e acesso as vicinais. Eles acabam ficando sempre nas mãos do atravessador; les não têm como escoar a produção em função das distâncias, dificuldades de acesso e etc. E eles acham que a culpa é da Eletronorte que causou isso e os deixou nessa situação.

José Lima: Eu acho que eles têm razão. Eu entendo que a gleba Parakana tem sido penalizada até porque a própria Prefeitura não tem como fazer investimento, não tem segurança de como fazer investimento lá. Porque a comissão ministerial não deu parecer do relatório que foi feito pelo Incra. E também o BASA não está liberado pra fazer investimento. Eu entendo que o sofrimento maior dessa gente é por falta do apoio técnico, de apoio do BASA. A partir da hora que tiver, que atingir a gleba Parakanã e esse pessoal tiver acesso, vai se estender a assistência técnica. A secretaria municipal vem dando apoio, a secretaria municipal tem quadro técnico que vem dando apoio e colocando-se a disposição. mas como não tem financiamento e não tem incentivo, estão sendo penalizados. Essa situação só vai poder ser revertida se houver um empenho do Incra com a Eletronorte e a Prefeitura. A Prefeitura sozinha não dá conta. A receita não é o suficiente pra resolver os problemas sociais que atingem o município e principalmente a essa região que não está liberada, na qual ainda não foi definida a situação desse povo. 

Pergunta: Como assim? A Gleba Parakanã não está liberada?

José Lima: É que foi criado o projeto de assentamento do Rio Gelado e se forçou a mudança do pessoal para lá. Como o projeto de assentamento não foi consolidado no Rio Gelado, o povo foi ficando na Parakanã e nos lotes desocupados, foi chegando mais gente. Eles têm esperança que vão ter financiamento, mas segundo o diretor do BASA, não pode liberar financiamento lá por conta da posição do remanejamento do pessoal. Foi feito um levantamento, um relatório foi pra Brasília pra pegar o parecer da comissão e essa comissão da qual um membro está na Bahia, outro em Mato grosso, outro está em Brasília, fica difícil até de fazer o parecer. Mas o Incra e o Ministério da Agricultura estão esperando esse parecer pra dar a definição desse impasse.

Pergunta: Você sabe relacionar quais são os ministérios incluídos nessa comissão de 1994?

José Lima: Ministério de Minas e Energia, Ministério da Educação, ministério da Agricultura, ministério da saúde e outro parece que é Bem Estar social. Eram cinco ministérios.

Pergunta: E qual é a posição do governo municipal em Novo Repartimento em relação à praga dos mosquitos.

José Lima: Olha, isso é um problema. A gente não tem condição de dizer que vai combater a praga. Até porque seria demonstrar a incapacidade de dizer que vamos trabalhar nesse sentido. Já houve levantamento que foi feito por fundações e nunca saiu uma solução. Eu entendo que a Prefeitura não vai ter condição de combater a praga. Até porque não dá conta de fazer a infraestrutura, não dá conta de recuperar as estradas, não dá conta de fazer o necessário. Então eu não vejo condições. Eu tenho vontade, quero ver que diminua o sofrimento da população. mas não vejo a curto prazo condições pra esse povo ter uma vida digna. Tem que ter empenho da Eletronorte, do Incra, para viabilizar uma solução para a praga.

Pergunta: Com a praga dos mosquitos, me parece que uma das soluções encontrada foi criar um projeto de assentamento em Rio Gelado. Esse projeto viabilizou a saída desse pessoal, viabilizou a saída por causa dos mosquitos ou criou mais problemas?

José Lima: Eu entendo que criou mais problemas. Se o projeto de assentamento Rio Gelado tivesse sido consolidado, pelo menos apanhado o necessário pra que o povo fosse pra lá, seria uma saída. Porque lá realmente é uma área de terra muito boa, mas muito distante da Transamazônica. Pra você ter uma ideia fica a 155 quilômetros da sede do município. O Incra ainda não fez uma estrada para poder levar o pessoal para lá. Aproveitou a estrada madeireira para levar esse pessoal para lá, mas não deu condições. Até agora só mediu 158 lotes onde eram para ser assentadas 158 famílias, as quais não foram todas pra lá por falta de condições. O projeto de assentamento do Rio Gelado, ele não é só esses 158, mas 250 mil hectares. Seria muito se houvesse o empenho do Incra no sentido de consolidar o processo de assentamento de Rio Gelado não pra resolver o problema da Parakanã, mas pra resolver o problema daquelas pessoas que já estão mudando. E aqueles da gleba Parakanã que quiserem se situar lá teriam condições. Mas eu acho que a saída para Rio Gelado é importante, mas não vai solucionar o problema da gleba do Parakanã. O povo vai continuar na Parakanã porque é mais fácil viver no Parakanã com todo imprevisto que tem do que ir para o Rio Gelado na condição que está.

Pergunta: Questionamos por que não querer mais sair do lote, sendo que há três anos atrás eles fizeram uma manifestação de que queriam sair. Uma das justificativas deles é exatamente o fato de que não iriam receber nenhum tipo de indenização nem por parte do Incra e nem por parte da Eletronorte com relação às benfeitorias que eles já tinham feito nos lotes. E eles colocam “será que nós teríamos condições de começar de novo, do zero, do nada?” O que o senhor acha desse pensamento deles.

José Lima: Olha, eles estão certos. O pensamento deles é certo até certo ponto. Os que foram para Rio Gelado receberam auxílio-moradia, auxílio-alimentação. Então eles receberam ajuda do Incra para que pudessem – não todos que foram – mas chegaram a 126 as famílias que receberam auxílio moradia e alimentação. Algumas, até a associação de Rio Gelado, receberam financiamento coletivo. Equipamentos, caminhão, trator de pneu, refrigerador….Inclusive construíram dois colégios, posto de saúde, barracão comunitário feito pelo Incra. Mas não viabilizaram o acessório que seria o principal, a estrada. O principal acesso para o Rio Gelado é a estrada.

Pergunta: Em função da questão da praga dos mosquitos muita gente até desesperadamente abandonou seu lote. Foram para outro núcleo urbano, foram pra outros lugares. Alguns venderam o lote por preços irrisórios e outros abandonaram. Nós chegamos numa área de um proprietário que comprou 15 lotes, onde está criando gado. Isso não vai criar um problema social mais grave, de animosidade?

José Lima: No próprio projeto de assentamento já tem fazendeiro lá que tem 15 lotes do projeto, 20 lotes. Essa prática já se generalizou – no município de Altamira também acontece isso. Onde o Incra faz divisão de terra o pessoal se desespera, adoece e vende por uma certa quantia. E isso vai acontecendo, generalizado na região. Agora na Parakanã como ficou o preço mais irrisório, eu acho que se desenvolveu mais. Muita gente se apossou de lote na Parakanã e até se sabe que nem comprou de ninguém, chegou e se apossou e o dono não apareceu e ele tá lá. Se sabe dessa prática, agora eu não sei se isso é verídico, mas comentam que tá acontecendo isso. A imigração pra Parakanã hoje deve ter uns quarenta, cinquenta porcento de pessoas que vieram de outros municípios e estão na Parakanã. Isso escoa no município de Novo Repartimento, porque lá na Parakanã não tem infraestrutura para atender o pessoal da área de educação e saúde e esse povo vai chegando precisando de tudo isso. E isso vai enchendo o município e a gleba do Parakanã.  Eu acho que em função de preço, vão chegando e adquirindo lotes. Com certeza, isso vai contribuir pra deixar mais famílias sem terra, porque eles não têm condição de desbravar mais. Imagina se tiver que ser remanejado pra outras regiões?

Pergunta: O próprio governo municipal não estaria incentivando agricultores de outras áreas para ocupar os lotes. Qual a procedência dessa informação?

José Lima: Isso não tem fundamento. Isso é conversa… A gente tem a preocupação de dar para o pessoal que vem do interior pra cidade, mas não trazer o pessoal. A gente tem uma preocupação muito grande com o social. Para o município, se não tivesse vindo ninguém vindo seria muito melhor pra se estruturar, pra se organizar. Essa migração só tem criado problema. Acho que chegamos no município a uma receita correspondente a 29 mil habitantes, mas para uma população de 45 mil habitantes a 50 mil. Imagine se a Prefeitura tem condições de incentivar a vinda do pessoal; ela não tem nem condição de atender a demanda que já tem, ainda mais trazer alguém. O pessoal tá vindo nessa crise; o povo vem por conta própria. Os fazendeiros querem se ver livres do pessoal que tem nas fazendas; esse caminhão derrama gente no município de Novo Repartimento. Aí a situação está realmente se generalizando. Quando chegam, a realidade é outro, porque o município não tem estrutura, porque o município é recém emancipado e sem a menor condição de se estruturar a curto prazo. O povo tá lá e fica nessa agonia. Essas pessoas que dizem que a Prefeitura está incentivando, é conversa fiada. Não tem nenhum fundamento. Eu tenho compromisso e responsabilidade; eu de forma nenhuma faria isso. Quando você não tem condição de estruturar, vai incentivar pra vir alguém? Isso não tem o menor sentido.

Pergunta:  Fomos informados também que os expropriados pretendem entrar com uma nova ação contra a Eletronorte pelo tempo parado como eles chamam. Pelo tempo que a Eletronrote mandou que eles parassem de plantar e também pelo que eles possuíam em suas áreas de origem – 100 hectares e receberam 50. Eles pretendem entrar com uma ação contra a Eletronorte. O senhor apoiaria esse tipo de manifestação? Acha justo?

José Lima: Eu acho que é justo e apoio. Eles têm todo direito de reivindicar aquilo que eles têm direito. Eles tinham 21 alqueires de terra e só receberam 10. Isso é uma injustiça que cometeram com os expropriados. Eles tinham essas terras tituladas e só receberam 10 alqueires. Nessa reinvindicação, eles estão certos. Mas nem todos têm direito de reivindicar. Entre aqueles que estão fazendo a petição, requerendo um direito, tem muita gente que está na região que nem sabe a história da Eletronorte. Está assinando o requerimento e está dizendo que é desapropriado. mas a Eletronorte tem todo o processo. Muita gente está sendo iludido com a reinvindicação; mas eu apoio aquelas pessoas que têm direito. Quem recebeu só 10 alqueires, tem todo direito. Aqueles que tiveram o plantio parado, tem meu apoio no sentido jurídico, no sentido político. Vou tentar ajudar da melhor forma possível essa gente que mais precisa ser apoiada nessa luta.

Pergunta: Com relação ao crédito do (FNO) como está a situação de Novo Repartimento, da Gleba Parakanã. Há recurso? Há possibilidade de se conseguir recurso ou isso é uma coisa criada em Brasília e na prática não funciona?

José Lima: Foi criado FNO especial e ele tem sentido, ele funciona, desde que seja realmente posto em prática. Por enquanto Novo Repartimento já foi beneficiado.