Entrevista com Carlos Shafaschek Neto

Entrevista com Carlos Shafaschek Neto, assessor da Pastoral dos Pescadores na Região Baixo Tocantins. Nascido em Santa Catarina, dedicou-se por muitos anos ao trabalho pastoral junto aos pescadores na Diocese de Cametá. Faleceu em janeiro de 2019 na condição de Secretário-executivo da Conselho Pastoral dos Pescadores Regional Norte.

Entrevistadora: Aida da Silva Data: abril 2018

Pergunta: Carlos, relata a memória que tu tens ..

Carlos Neto: bom, eu comecei a participar desse processo em 1981. Foi uma época em que começaram a surgir as grandes problemáticas da barragem de Tucuruí.

Como se sabe, em todos os grandes projetos ninguém é consultado, ninguém nem ao menos é valorizado. Em caso da retirada desse pessoal – os pescadores neste caso, foram os mais prejudicados – eles perderam várias espécies de pescado neste período, com o fechamento da barragem. Muitas qualidades de peixes da região desapareceram. Então, como podíamos então interferir? Ou lutar por esse povo? Foram feitas várias reuniões, manifestações e tudo mais em favor destas categorias de pescadores e dos agricultores de uma forma geral, porque os problemas foram aparecendo cada vez mais consistentes.

Uma das questões que mais choca ainda hoje, é a questão da barragem: na véspera do inverno, a Eletronorte solta as águas do Tocantins da barragem. No inverno a água sobe e o peixe sobe em piracema; os peixes desovam nas barrancas do rio. Quando demora, a chover eles fecham novamente as comportas e essa desova dos peixes fica toda fora da água. Isso se torna… podem consultar vários pescadores e vocês vão ver como os pescadores contam da fedentina que fica, da quantidade de ovos de peixe que ficam expostos ao ar

e não estão mais dentro da água. E isso tem uma consequência drástica na reprodução dos peixes. Os peixes que desovam em cima nunca mais vão conseguir reproduzir.

Então, além de desaparecerem varias espécies de peixes eles ainda tem a diminuição do pescado, que é cruel, pelo fato desse enche e vaza da barragem. Por isso que é muito dificultoso.

Pergunta: Mexe direto na economia deles?

Carlos Neto: Sim, os pescadores hoje não conseguem quase mais sobreviver da pesca. Por que? Porque muitas pessoas estão tendo que se deslocar a longas distâncias para poder pescar alguma coisa, porque aqui na região o peixe está muito escasso.

O que hoje, em Limoeiro do Ajuru, está conseguindo reavivar um pouco mais a pesca, é o fato das comunidades conseguirem refazer os acordos de pesca. Contra a pesca predatória, eles estão conseguindo que a comunidade controle a pesca, fazendo o ordenamento por conta própria, que o governo não tem apoiado. De vez em quando, o governo, mas com a comunidade pagando, manda o pessoal do DPA, que vem fiscalizar ou ajudar na fiscalização. Isso porque as comunidades dia e noite fiscalizam, para evitar a pesca predatória, para conseguir preservar um pouco do peixe que sobrou, e estão se dando bem, graças a Deus.

Pergunta : Carlos, qual a memória que tu tens, do ponto de vista do diálogo na época das organizações com o poder público?

Carlos Neto: Eu acho que são três momentos. No período da ditadura, não se conversava com ninguém, não havia diálogo com ninguém. A única coisa foi a organização e a pressão do povo, tanto ribeirinho quanto os agricultores pressionando o governo, para, pelo menos, dar a indenização do pessoal que saiu das suas terras. Mas não havia diálogo nem com a grande empresa, nem com o governo federal nem o governo estadual e nem nada. Inclusive os políticos chamavam nosso bispo, na época, que se envolvia na luta, eles chamavam ele de ave agourenta, e diziam que era tudo mentira o que a Igreja pregava na época, pra dizer que a barragem iria causar problema sério para a população.

Na época de Lula e Dilma, se conseguiu um diálogo mais próximo, onde se conseguiu umas marcações, inclusive alguma garantia de marcação de territórios nas ilhas e tudo mais.

Hoje em dia, com o governo Temer, novamente não há diálogo nenhum, é outro tipo de ditadura, que não conversa com os movimentos sociais.

Pergunta: Então a via que os pescadores estão encontrando é a via cooperativista, o trabalho comunitário?

Carlos Neto: É o trabalho das próprias comunidades, se defendendo dos problemas que afetam as comunidades, tanto da barragem de Tucuruí como também agora o problemática de Barcarena com a ALBRAS, que é um outro problema sério que os pescadores estão encontrando para fazer o enfrentamento porque inclusive, o rapaz que denunciou a problemática foi imediatamente morto, o advogado que os acompanhava foi ameaçado; ele se retirou para não ser morto. E assim agora está se procurando com a Igreja de Abaetetuba, e junto com pescadores e agricultores, está se tentando novamente levantar outro movimento para lutar contra essa barbárie que está acontecendo em Barcarena. É uma organização que vai buscar forçar o governo a repensar alguma coisa.

Estamos na mesma época da ditadura, que não há diálogo direto, só na pressão. Inclusive, todas as problemáticas são escondidas, são abafadas, tanto pela rede de comunicação como pelo governo. Todas são engavetadas e ninguém diz nada. Mas a população está entrando na luta pra fazer justiça, buscar algumas coisas e punir as empresas que estão causando esses problemas.

Agora, as comunidades estão voltando a se organizar para poder lutar e sobreviver, porque o projeto é de morte.

Entrevistadora: Obrigada pela entrevista